Livro - Arte da aula
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Nada poderia ser mais próximo do momento oportuno,daquilo que os antigos gregos denominavam kairós, do que a edição deste Arte da aula, reunindo depoimentos de dez reconhecidos professores de universidades estaduais paulistas sobre a experiência primordial, única, insubstituível do exercício do saber compartilhado, do conhecimento como diálogo, da busca de sentido no mundo e em suas representações como afirmação da dúvida e da incerteza convertidas em método. Dúvida e incerteza que são as condições do ensinar-aprender sem fim; e que são a via de acesso à libertação do pensamento crítico de todas as cadeias em que a má consciência ideológica tenta aprisioná-lo ou, até mesmo, como agora, simplesmente suprimi-lo.De um lado, os inimigos de sempre, alojados em instâncias do Estado e das redes antissociais, atacam de frente a Universidade e a Escola, porque sua mera existência é uma ameaça ao ressentimento e ao ódio de que se locupletam em estado de parasitismo e inanição intelectual. Eles, sim, os grandes ideólogos do nada, tão ruidosos em sua vacuidade de mente e alma. Simples pregoeiros do mercado da morte.De outro lado – em contraposição física e espiritual completa a quaisquer mensageiros da barbárie –, nossos colegas, que parecem, aqui, algo proféticos, algo anacrônicos ou algo ingênuos, como convém à boa arte e à arte do bem, praticando a docência como decência, como presença corporal e da linguagem em ato, como empatia e compreensão do outro, como aula que nunca se perde porque com ela só se tem a ganhar.É que, no esforço coletivo representado por uma só aula, reúnem-se arte e artesanato, perguntas e respostas e perguntas, exposições e digressões, atenção e dispersão,palavras e imagens, documentos e hipóteses, inícios e interrupções, recomeços e inacabamentos, informações confirmadas e outras desmentidas, e ainda a continuidade de fios que teimam sempre em se dispersar ao vento,com certeza rebeldes à ideia do fim.Nada, entretanto, é em vão na sala de aula. Até mesmo a pausa de seus regentes desafinados: nela, impostam a encenação do espaço público, mas, em verdade, vivem as agruras daquele estado que Maurice Blanchot chamou,no plano da criação poética, de “solidão essencial”. Existe algo mais melancólico do que uma escola vazia? Mas nós,professores, temos que atravessar pátios e corredores muitas vezes labirínticos e fantasmagóricos tanto depois do término da aula quanto, mais aflitivo ainda, na buscada sala em que, supostamente, nos esperam ouvintes mais ou menos interessados, mais ou menos ensináveis,mais ou menos disponíveis à transmissão de algum saber.Aventura que se repõe entre nervosismo e esperança, entre dor e reconhecimento, entre livros e livros. Toda aula é um acontecimento que não se repete, um jogo de dados a se celebrar, tanto em sua eventual grandeza quanto em seu também passageiro fracasso.A lamentar tão só que as circunstâncias da organização e produção deste volume não tenham possibilitado que se incorporassem tantas outras vozes de professores igualmente ótimos das universidades federais e estaduais,disseminados por estados e regiões Brasil afora. Por certo,os organizadores Denilson Cordeiro e Joaci Furtado, eles próprios docentes, respectivamente, da Universidade Federal de São Paulo e da Universidade Federal Fluminense,saberão, em próximo livro dedicado ao tema, ir além das fronteiras estaduais paulistas. A atual resistência da Uni-versidade brasileira está a clamar por isso.Nesse sentido, a “arte da aula” deve propagar-se como experimento e missão, posto que educação superior de excelência, de que este livro é registro vivo e veraz, acarreta,ontem como hoje, efeito inevitável: demolir os mitos que os podres poderes vomitam.Que este volume, pois, inspire-nos a retornar ao estudo e à boa e velha escolaridade: de volta às aulas! Francisco Foot Hardman Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp

Ficha Técnica