Livro - As mulheres contam
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Poucos escritores penetraram tão fundo na alma feminina quanto D.H. Lawrence (1885-1930). Com uma franqueza tida como escandalosa em seu tempo, foi Lawrence o primeiro grande autor a abordar o desejo sexual das mulheres e sua realização – muitas vezes desafiando o domínio masculino – em romances fundamentais do modernismo inglês como "O arco-íris", "Mulheres apaixonadas" e "O amante de Lady Chatterley". Voltando-se para a não menos importante produção de contos, a CARAMBAIA lança a antologia "As mulheres contam", com sete textos escritos entre 1910 e 1927, organizados e traduzidos pela primeira vez no Brasil por Patrícia Freitas, autora também do posfácio. Em todos os contos, é central a presença das personagens femininas – inquietas, complexas e quase sempre insubmissas. Dois deles costumam frequentar as antologias de melhores histórias curtas em língua inglesa do século XX: “Odor de crisântemos” e “Você me tocou”. O primeiro trata da tomada de consciência de uma mulher sobre o lugar de sua afeição no mundo medíocre em que vive, e o segundo descreve o jogo de dominação entre duas irmãs, seu pai e o irmão adotivo. Embora o lugar de Lawrence no cânone literário esteja mais do que assegurado, sua vida e obra nunca foram consenso, em parte pelas ambiguidades expressas por ele próprio. Sua obra-prima, o romance "O amante de Lady Chatterley", foi condenada por feministas dos anos 1970, pela dominância conferida à virilidade. Nos contos de "As mulheres contam", no entanto, Lawrence soa como um pioneiro da luta pelos direitos da mulher, sobretudo ao próprio corpo e à vontade individual. Uma das poucas certezas sobre as ideias do autor, porque ele a afirmou repetidamente, é que considerava a repressão sexual a principal inimiga da civilização europeia. É exatamente nessa perspectiva que estes contos estão agora reunidos. A história que abre o volume, “Bilhetes, por favor”, narra a vingança de um grupo de funcionárias de uma ferrovia contra um colega metido a conquistador. “O batizado” fala do estigma da gravidez anterior ao casamento. “Nada disso” trata dos reveses sofridos por uma mulher independente. “Fanny e Annie” trata da covardia de um homem que engravidou uma mulher. E “Festa do Ganso” enfoca o envolvimento amoroso entre diferentes classes sociais. A maioria das histórias se passa nas Midlands, região de minas de carvão na Inglaterra onde trabalhava o pai do escritor e que será cenário da maior parte das obras de Lawrence. David Herbert Lawrence integrou um grupo de autores modernistas que, entre o início do século XX e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, provocou um abalo nas convenções literárias de língua inglesa, ao lado de nomes como Virginia Woolf, James Joyce, Katherine Mansfield e Aldous Huxley. Diferentemente do experimentalismo de Joyce, porém, Lawrence se valeu das técnicas ficcionais do século XIX para introduzir novos assuntos e atualizações linguísticas, num amálgama que, embora se atenha aos recortes cotidianos, insere silenciosamente na narrativa questões sociais, políticas e psicológicas. Lawrence nasceu na cidade mineira de Eastwood, quarto filho de um mineiro semianalfabeto e de uma aristocrata que se tornou operária. Aos 16 anos, contraiu uma pneumonia que fragilizou sua saúde para sempre, impedindo-o de trabalhar nas minas, o que o levou a engajar-se numa carreira literária. Aos 23, formou-se professor pela Universidade de Nottingham. No mesmo ano, seus poemas foram publicados na célebre English Review. Três anos depois veio a público o primeiro romance, O pavão branco. Em 1912, começou a relação, que duraria até sua morte, com Frieda Weekley. Ela era casada e por isso a vida em comum com Lawrence começou com uma fuga para a Alemanha e depois para a Itália, onde o escritor completou o romance "Filhos e amantes" (1913), que aborda, de forma semiautobiográfica, a paixão de Lawrence pela mãe. Durante a Primeira Guerra Mundial, o casal foi perseguido por suposta simpatia pela Alemanha – em parte pelo pacifismo do escritor, em parte pela ascendência da esposa – e expulso do condado onde morava por suspeita de espionagem. O projeto seguinte se desdobrou em dois romances com as mesmas personagens centrais, "O arco-íris" (1915), banido durante três anos sob acusação de obscenidade, e "Mulheres apaixonadas" (1920). Com o fim da guerra, Lawrence e a esposa partiram para a Itália e passaram os anos seguintes viajando pelo mundo, sem voltar para a Inglaterra. A estadia no México inspirou um romance ambicioso, considerado por muitos sua obra-prima, "A serpente emplumada" (1926). O último romance de Lawrence, "O amante de Lady Chatterley", sobre a atração de uma aristocrata por um guarda-caças, saiu em edição privada em 1928 e só foi liberado para publicação regular em 1960 na Inglaterra, mediante processo judicial. Lawrence morreu de tuberculose em Vence, na França. Em sua curta vida, o escritor produziu ainda livros de viagem, ensaios sobre literatura e outros assuntos e peças de teatro. No projeto gráfico de "As mulheres contam", de Tereza Bettinardi, foi adotada uma tipografia que remete à usada nos cartazes do movimento sufragista inglês (luta das mulheres por direito a voto, alcançado em 1918), contemporâneo aos contos de Lawrence.

Ficha Técnica