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Livro - Tom Zé
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Temos neste volume uma rara descrição
da saga vivida por Tom Zé desde o
seu nascimento, em 1936, na longínqua Irará,
Bahia, até sua radicação definitiva em São
Paulo, onde, depois de sobreviver a muitas
intempéries, consolidou um inigualável trabalho
artístico, hoje mundialmente reconhecido.
O que já costumamos ouvir sobre o Brasil
e sua singularidade cultural ressoa na história
desse compositor: Tom Zé não é para
principiantes. Sua sonoridade contém traços
da vanguarda erudita mas também dos cantos
populares que ouvia na infância. Suas letras
são mais próximas das crônicas cotidianas
que dos poemas contemplativos e românticos,
tão frequentes em nosso cancioneiro.
O seu modo de cantar dispensa qualquer
solenidade. Passa longe das interpretações
pomposas dos antigos, das inflexões
pungentes do rock e mesmo do virtuosismo
comedido criado por João Gilberto.
Tom Zé canta falando e, com isso, leva o
ouvinte a se concentrar no conteúdo da letra.
Sua originalidade abrange conscientemente
o plágio ou, em seus termos, o “arrastão”
que pesca trechos de obras já feitas, muitas
vezes de sua própria lavra.
Suas experimentações tropicalistas passaram
ao largo das canções midiáticas com as quais
os seus colegas de movimento revolucionaram
o mainstream brasileiro a partir de 1970.
Preferiu investir no que chama de “descanção”
e na mudança do “acordo tácito” que sustenta
o gosto dominante de uma determinada
época (algo como um consenso oculto entre
artistas e ouvintes).
Tudo se mostra ainda mais complexo
quando o compositor qualifica cada faixa
de um de seus álbuns lançado nos Estados
Unidos (Fabrication Defect, 1998) como
“defeito” (“Defect 1”, “Defect 2” etc.). Uma obra
produzida no terceiro mundo só poderia vir
com defeitos de fabricação... Essas alusões
às insuficiências de origem fazem contraste
com a sonoridade moderníssima e insólita
das faixas, produzindo um jogo dialético
em que os defeitos soam perfeitos no
contexto do disco, ao mesmo tempo que
o artista, proveniente das profundezas
do sertão baiano, traz o que de melhor existe
na vanguarda musical do momento.
Tom Zé já explicou com lucidez a origem
desses conceitos em seu próprio livro lançado
em 2003: Tropicalista lenta luta. Mas faltava
um desbravamento maior de seus dados
biográficos, portadores das características
étnicas que foram determinantes em seu
trabalho de artista. Não por acaso, aliás,
David Byrne, músico célebre e pesquisador
interessado pelas etnias que se destacam
em todo o planeta, reconheceu a densidade
criativa de Tom Zé e se encarregou de
difundi-la internacionalmente. Esta biografia
lança um raio de luz nisso tudo e, entre muitos
achados, destaca a influência de Tom Zé sobre
gerações de músicos cada vez mais jovens.
De fato, seus discos recentes sempre contaram
com a participação de artistas e bandas
em início de carreira. Está aí mais uma prova
inquestionável de fecundidade artística.
Tudo indica que sua influência ainda vai longe,
no tempo e no espaço.
Luiz Tatit